terça-feira, 30 de março de 2010

Vende-se Tudo - Martha Medeiros



No mural do colégio da minha filha
encontrei um cartaz escrito por uma mãe, avisando que estava vendendo
tudo o
que ela tinha em casa, pois a família voltaria a morar nos Estados
Unidos.
O cartaz dava o endereço do bazar e o horário de atendimento. Uma outra
mãe, ao meu lado, comentou:
- Que coisa triste ter que vender tudo que se tem.
- Não é não, respondi, já passei por isso e é uma lição de vida.

Morei uma época no Chile e, na hora de voltar ao Brasil, trouxe comigo
apenas umas poucas gravuras, uns livros e uns tapetes. O resto vendi
tudo, e por tudo entenda-se: fogão, camas, louça, liquidificador, sala de
jantar, aparelho de som, tudo o que compõe uma casa.
Como eu não conhecia muita gente na cidade, meu marido anunciou o bazar no
seu local de trabalho e esperamos sentad os que alguém aparecesse. Sentados
no chão. O sofá foi o primeiro que se foi.
Às vezes o interfone tocava às 11 da noite e era alguém que tinha ouvido
comentar que ali estava se vendendo uma estante.
Eu convidava pra subir e em dez minutos negociávamos um belo desconto.

Além disso, eu sempre dava um abridor de vinho ou um saleiro de brinde, e
lá se iam meus móveis e minhas bugigangas. Um troço maluco: estranhos
entravam na minha casa e desfalcavam o meu lar, que a cada dia ficava mais
nu, mais sem alma.

No penúltimo dia, ficamos só com o colchão no chão, a geladeira e a tevê.
No último, só com o colchão, que o zelador comprou e, compreensivo, topou
esperar a gente ir embora antes de buscar. Ganhou de brinde os travesseiros.

Guardo esses últimos dias no Chile como o momento da minha vida em que
aprendi a irrelevância de quase tudo o que é material. Nunca mais me
apegu ei a nada que não tivesse valor afetivo. Deixei de lado o zelo
excessivo por coisas que foram feitas apenas para se usar, e não para se
amar.

Hoje me desfaço com facilidade de objetos, enquanto que torna-se cada vez
mais difícil me afastar de pessoas que são ou foram importantes, não
importa o tempo que estiveram presentes na minha vida... Desejo para essa
mulher que está vendendo suas coisas para voltar aos Estados Unidos a mesma
emoção que tive na minha última noite no Chile.
Dormimos no mesmo colchão, eu, meu marido e minha filha, que na época tinha
2 anos de idade. As roupas já estavam guardadas nas malas. Fazia muito
frio.
Ao acordarmos, uma vizinha simpática nos ofereceu o café da manhã, já que
não tínhamos nem uma xícara em casa.

Fomos embora carregando apenas o que havíamos vivido, levando as emoções
todas: nenhuma recordação foi vendida ou entregue como brinde. Não pagamos
excesso de bagagem e chegamos aqui com outro tipo de leveza.

.... só possuímos na vida o que dela pudermos levar ao partir, 



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